sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Nadando contra a velocidade

Sentimos vontade de passar a tarde e a noite num castelo. Muitos deles, na França, foram transformados em hotéis: um quadrado verde perdido numa extensão de feiúra desprovida de verde; uma pequena extensão de aléias, de árvores, de pássaros no meio de uma imensa rede de estradas. Estou dirigindo e, pelo retrovisor, observo um carro atrás de mim. A pequena luz à esquerda pisca, e o carro todo emite ondas de impaciência. O motorista espera a oportunidade de me ultrapassar; espera esse momento como uma ave rapina espreita um pássaro.
Vera, minha mulher, me diz:
- A cada cinquenta minutos, morre um homem nas estradas da França. Repare bem nesses loucos em volta de nós. São exatamente os mesmos que se comportam com uma prudência extraordinária quando uma senhora de idade é assaltada diante deles na rua. Como podem não ter medo quando estão dirigindo?
O que responder? Talvez isso: o homem curvado em sua motocicleta só pode se concentrar naquele exato momento de seu vôo; agarra-se a um fragmento retirado tanto do passado quanto do futuro; é arrancado da continuidade do tempo; está fora do tempo; em outras palavras, está num estado de êxtase; em tal estado, não sabe nada de sua idade, nada de sua mulher, nada de seus filhos, nada de suas preocupações e, portanto, não tem medo, pois a fonte do medo está no futuro, e quem se liberta do futuro nada tem a temer.
A velocidade é a forma de êxtase que a revolução técnica deu de presente ao homem. Ao contrário do motociclista, quem corre a pé está sempre presente em seu corpo, forçado a pensar sempre em suas bolhas, em seu fôlego; quando corre, sente seu peso, sua idade, consciente mais do que nunca de si mesmo e do tempo de sua vida. Tudo muda quando o homem delega a uma máquina a faculdade de ser veloz: a partir de então, seu próprio corpo fica fora do jogo e ele se entrega a uma velocidade que é incorpórea, imaterial, velocidade pura, velocidade em si mesma, velocidade êxtase.
Curiosa aliança: a fria impessoalidade da técnica e as chamas do êxtase. Lembro-me daquela americana que, há trinta anos, com expressão severa e entusiasmada, uma espécie de apparatchik do erotismo, me deu uma aula (glacialmente teórica) sobre a liberação sexual; a palavra que surgia com maior frequência em seu discurso era a palavra orgasmo; eu contei: quarenta e três vezes. O culto do orgasmo: o utilitarismo puritano projetado na vida sexual; a eficácia em contraposição à ociosidade; o coito reduzido a um obstáculo que é preciso ultrapassar o mais rápido possível para chegar a uma explosão extática, único objetivo verdadeiro do amor e do universo.
Porque o prazer da lentidão desapareceu? Ah, para onde foram aqueles que antigamente gostavam de flanar? Onde estão eles, aqueles heróis preguiçosos das canções populares, aqueles vagabundos que vagavam de moinho em moinho e dormiam sob as estrelas? Será que desapareceram junto com as veredas campestres, os prados e as clareiras, com a natureza? Um provérbio tcheco define a doce ociosidade deles com uma metáfora: eles estão contemplando as janelas de Deus. Aquele que contempla as janelas de Deus não se aborrece; é feliz. Em nosso mundo, a ociosidade transformou-se em desocupação, o que é uma coisa inteiramente diferente; o desocupado fica frustrado, se aborrece, está sempre à procura do movimento que lhe falta.
Olho pelo retrovisor: ainda é o mesmo carro, que não pode me ultrapassar por causa do trânsito no sentido contrário. Ao lado do motorista está sentada uma mulher; por que será que o homem não lhe conta alguma coisa engraçada? Por que não põe a mão no joelho dela? Em vez disso, amaldiçoa o motorista que, diante dele, não anda rápido o bastante, e a mulher também não pensa em tocá-lo com sua mão, dirige mentalmente com ele e também me amaldiçoa.
E penso naquela outra viagem de Paris para um castelo no campo, que aconteceu há mais de duzentos anos: a viagem de Madame de T. e do jovem cavalheiro que a acompanhava. É a primeira vez que estão tão perto um do outro, e a indizível atmosfera de sensualidade que os cerca nasce justamente da lentidão da cadência: balançados pelo movimento da carruagem, os dois corpos se tocam, primeiro sem querer, depois querendo, e a história começa.

Milan Kundera, no Primeiro Capítulo do livro A Lentidão.

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